Jurisprudência STJ – Ação de indenização por danos morais. Reconhecimento de firma perante assinatura falsificada. Ilegitimidade passiva.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.372 – RJ (2010/0016191-3)
RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI
R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

RECORRENTE : DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS
ADVOGADO : DÉBORA DE SOUZA BECKER LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO
ADVOGADO : FRANCISCO SANTOS DA ROCHA E OUTRO(S)

EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DE FIRMA MEDIANTE ASSINATURA FALSIFICADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFÍCIO DE NOTAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA E JUDICIÁRIA

1. Consoante as regras do art. 22 da Lei 8.935/94 e do art. 38 da Lei n.º 9.492/97, a responsabilidade civil por dano decorrente da má prestação de serviço cartorário é pessoal do titular da serventia à época do fato, em razão da delegação do serviço que lhe é conferida pelo Poder Público em seu nome.

2. Os cartórios ou serventias não possuem legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda indenizatória, pois são desprovidos de personalidade jurídica e judiciária, representando, apenas, o espaço físico onde é exercida a função pública delegada consistente na atividade notarial ou registral.

3. Legitimidade passiva do atual titular do serviço notarial ou registral pelo pagamento de débitos atrasados do antigo titular.

4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema, especialmente precedentes específicos desta Corte.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino dando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhado dos Srs. Ministros Nancy Andrighi e Massami Uyeda,por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro Relator que negava provimento ao recurso especial. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Vasco Della Giustina, Nancy Andrighi e Massami Uyeda.

Brasília (DF), 28 de junho de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

1.- DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS interpõe Recurso Especial com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, contra Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Rel. Des. MAURO DICKSTEIN), proferido nos autos de ação de indenização, assim ementado (e-STJ fls. 149):

RESPONSABILIDADE CIVIL. ÔNUS DA PROVA. ART. 6°, VIII, DO CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO. FIXAÇÃO DO QUANTUM. RAZOABILIDADE. FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO. RECURSO
DESPROVIDO.

I. Não há violação ao art. 333, I, do CPC se o caso, em relação ao ônus probatório, amolda-se ao disposto no art. 6°, VIII, do CDC.

II. O dever de indenizar está no risco da atividade, aplicando-se a responsabilidade objetiva decorrente de danos experimentados pelo consumidor, em face à relação jurídica de consumo.

III. Para fixação de valor monetário indenizatório decorrente de dano moral, faz-se necessário adotar o critério da razoabilidade, caracterizado pela integração de três elementos: capacidade econômica do causador da lesão, perfil socioeconômico do ofendido e relevância do dano causado.

IV. O quantum indenizatório possui caráter punitivo, devendo ser observado o poder econômico do ofensor, para que o mesmo não banalize o dano causado a outrem.

V. Recurso desprovido.

2.- O recorrente alega ofensa aos arts. 535 do Código de Processo Civil; 1º, 22 da Lei n. 8.935/1994; 38 da Lei n. 9.492/1997; 189, 197, 204 do Novo Código Civil. Aponta divergência jurisprudencial. Sustenta que:

a) o Acórdão recorrido é omisso, pois apesar de interpostos os Embargos Declaratórios, o Tribunal a quo manteve-se silente quanto à ocorrência da prescrição;

b) é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, pois o Cartório de Notas não possui personalidade jurídica, sendo que a responsabilidade civil pelo ato irregular de reconhecimento de firma falsa é do Tabelião; e

c) ocorreu a prescrição, pois o termo inicial conta-se do conhecimento do fato lesivo e na ação declaratória proposta pela recorrida, para provar a falsidade da assinatura, o recorrente não figurou como parte.

3. – Sem contrarrazões (e-STJ fls. 191), o Recurso Especial (e-STJ fls. 171/185) não foi admitido (e-STJ fls. 192/193), tendo provimento o Agravo de Instrumento 1.153.253/RJ, para melhor exame das questões suscitadas (e-STJ fls. 287/288).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

4.- Extrai-se do acórdão que a síntese do caso é a seguinte (e-STJ fls. 150):

Ação ordinária proposta por MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO em face do DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS, objetivando a sua condenação na compensação por danos morais, estimados em 40 salários mínimos, em virtude de ato ilícito praticado pelo réu ao permitir o reconhecimento de sua firma mediante assinatura falsificada.

Afirma haver sido surpreendida com citação em uma ação de execução (processo nº 2000.001.141678-5), referente à cobrança de aluguéis de um imóvel localizado na Barra de Tijuca, na qual figurava como fiadora juntamente com o seu marido, embora desconhecesse o contrato. Informa que perícia grafotécnica, nos autos de ação declaratória de inexistência de relação jurídica (processo nº 2001.001.104492-6) atestou a falsificação de sua assinatura em cartão de abertura de firma, bem como, no mencionado contrato de locação, o que culminou em sentença que julgou o pedido declaratório procedente e, por sua vez, extinguiu o processo de execução, na forma do art. 618, I, do CPC. Acresce que em grau de recurso (apelação cível nº 2005.001.35937) entendeu-se pela validade da fiança, com reserva de sua meação sobre o produto da arrematação dos bens penhorados, o que culminou no prosseguimento da execução e consequente leilão de seu único imóvel.

Contestação do réu a fls.61/71, arguindo, preliminarmente a sua ilegitimidade passiva ad causam, por não possuir personalidade jurídica para responder à demanda, sendo certo que, eventual responsabilidade só poderia ser imputada à pessoa da antiga tabeliã, investida na atividade notarial, quando praticado o suposto delito. Ademais, como prejudicial de mérito, alega a ocorrência da prescrição. No mérito, pugna pela improcedência da demanda, ao argumento de que o suposto reconhecimento de firma foi instrumentalizado com a utilização de um carimbo não adotado na serventia à época dos fatos.

A sentença de fls. 93/97 julgou procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento de R$15.200,00, a título de danos morais, incidente correção monetária a contar da data da sentença até o efetivo pagamento e juros de 1% ao mês, a partir da citação. Afastou-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e a prejudicial de mérito, consistente na prescrição, entendendo o juízo monocrático, no mérito, ser a responsabilidade do réu objetiva, consoante art. 37, §6º, da CRFB/88, restando comprovado o ato ilícito por ele praticado e inexistente qualquer excludente do nexo de causalidade. Aduz que, não fosse a falsificação, a autora sequer integraria a relação jurídica como fiadora, nem precisaria propor ação para se defender das conseqüências de um ato promovido por órgão público.

5.- De início, observe-se que não se viabiliza o Recurso Especial pela indicada violação do art. 535 do Código de Processo Civil. É que, embora rejeitados os embargos de declaração, verifica-se que o tema da prescrição foi devidamente enfrentada pelo colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

6.- Quanto à ilegitimidade passiva ad causan, a suscitada divergência jurisprudencial não atende às exigências dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, uma vez que não foi comprovada, pois não foram apresentadas as cópias dos Acórdãos paradigmas e não foi citado o repositório oficial autorizado ou credenciado, em que esses foram publicados. A propósito, anote-se: (AgRg no Ag 1042619/SP, de minha relatoria, DJe 23/9/2008; AgRg no REsp 1.042.004/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe 24/8/2009).

7.- Em relação à responsabilidade dos Tabeliães, o Tribunal de origem decidiu nestes termos (e-STJ fls. 152):

No mérito, melhor sorte não cabe ao apelante/réu, cuja responsabilidade caracteriza-se por ser objetiva, conforme art. 37, § 6º, da CRFB/88, inexistindo prova da exclusão do nexo de causalidade entre o ato ilícito, consistente na abertura de firma com o nome da autora/apelada, por terceiro, falsificação atestada em cartão de autógrafos e contrato de locação e o resultado, qual seja, a citação da autora/apelada como fiadora de negócio jurídico do qual não fez parte, tendo, ao final, seu único bem imóvel sido leiloado.

Houve falha na prestação do serviço do apelante/réu que permitiu que terceiro utilizasse os dados da autora/apelada para a abertura de cartão de autógrafos, o que revela a ausência das cautelas devidas e necessárias para o desempenho das atividades cartorárias, especialmente a de conferência de dados pessoais, sendo que a responsabilidade pelo evento danoso decorre do risco inerente à atividade (risco do empreendimento).

8. – Vê-se que o acórdão resolveu a questão de legitimidade do Cartório, adentrando, com base em fundamento único e estritamente constitucional – artigo 37, § 6º, da Constituição Federal -, cujo exame refoge à competência desta Corte. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO EM AÇÃO RESCISÓRIA. FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.

– Não cabe recurso especial contra acórdão que, sob fundamento única e exclusivamente constitucional, julga ação rescisória sem tangenciar minimamente os requisitos legais de seu cabimento. (REsp 649608 / RS, Relator(a) Ministro NILSON NAVES, Relator(a) p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, DJe 18/12/2009)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. GDATA. EQUIPARAÇÃO. INATIVOS. ACÓRDÃO RECORRIDO EMBASADO EM FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IMPROPRIEDADE DO EXAME EM RECURSO ESPECIAL.

1. Estando o acórdão recorrido embasado em fundamento exclusivamente constitucional, relativo à inexistência de afronta ao princípio da isonomia, revela-se imprópria a veiculação da matéria em Recurso Especial, em razão dos contornos definidos pela Cart a Magna, no art. 105, III.

2. Agravo Regimental improvido." (AgRg no REsp 969.864/RN, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 24/3/2008).

9. – Porque não tratada, no julgamento, a que remonta, agora, este Recurso, matéria infra-constitucional referente à pretendida não responsabilidade do Cartório, mas, sim, do seu Serventuário, não há como, neste processo, ingressar na análise da alegação de ilegitimidade do Cartório e julgar essa tese.

Se se tratasse de tese pacífica em prol do sentido alegado pelo ora Recorrente, até que se poderia mitigar a exigência estrita de pré-questionamento infraconstitucional, para ingressar no âmago de seu julgamento, em homenagem à unicidade da orientação jurisprudencial nacional.

Mas a tese está longe de ser pacífica. Não há notícia de precedente da C. Corte Especial, nem da C. 2ª Seção. E dois precedentes em Sessão de Julgamento, vêm da E. 4ª Turma, em sentidos contrários.

Com efeito, o precedente mais recente, no sentido de a responsabilidade pertencer ao Serventuário e ao Estado (Resp 545.613-MG-4ª Turma, j. 8.5.2007, Rel. Min. CESAR ROCHA, maioria de votos, acompanhado pelo Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, vencido o Min. BARROS MONTEIRO, impedido, afirmando suspeição, o Min. ALDIR PASSARINHO JR.)

Mas o precedente mais antigo possui seu peso de relevância, reconhecendo a legitimidade passiva do Cartório (REsp 476.532/RJ-4ª T., DJ 4.8.2003, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, votação unânime, com os votos dos Mins. FERNANDO GONÇALVES, ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA E BARROS MONTEIRO).

Não há como superar a falta de julgamento infra-constitucional no Acórdão recorrido, para julgar, desde já, em qualquer sentido, a tese. Nessa matéria de legitimidade ou ilegitimidade, portanto, o Recurso não pode ser conhecido.

10.- No que diz respeito à prescrição, diz o acórdão que (e-STJ fls. 152):

(…)

Da análise dos autos, vê-se, todavia, que a autora teve ciência da falsificação no ano de 2000, ao ser citada, indevidamente, como fiadora na execução de título extrajudicial (processo nº 2000.001.141678-5), tendo proposto ação declaratória de inexistência de relação jurídica (processo nº 2001.001.104492-6) em 2001, a fim de demonstrar que a assinatura aposta em cartão de autógrafos e no contrato de locação eram produto de falsificações, o que foi reconhecido pela sentença de fls. 41/47, prolatada em 2005, enquanto que, no ano seguinte, em 2006, propôs a presente ação de indenização por danos morais.

Extrai-se daí o agir positivo da autora, que não se quedou inerte, diante da lesão sofrida, procurando, assim, em uma primeira etapa, a comprovação do falso, para logo a seguir, em uma segunda etapa, buscar a compensação dos danos morais sofridos. Ao que parece, o pedido declaratório de inexistência de relação jurídica, em 2001, caracterizou-se como causa interruptiva do prazo prescricional, o qual apenas voltou a correr em 2005, a partir do trânsito em julgado da sentença que reconheceu ser a assinatura da autora falsa. Portanto, a partir daí é que poder-se-ia reiniciar a contagem do prazo extintivo, cessando com a propositura da presente, antes de seu escoamento final. Por conseguinte, não se vislumbra a prescrição aludida.

Vê-se que o entendimento do Tribunal a quo encontra-se alinhado com a jurisprudência desta Corte. Nesse sentido temos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RAZÕES DA RECUSA DE PAGAMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. CAUSA
DE INTERRUPÇÃO.

– Para a ocorrência da prescrição é imprescindível a demonstração da inércia do titular do direito, que, prolongada no tempo, provoca a insegurança social por impedir a consolidação das situações jurídicas.

– É arbitrária e não pode ser respaldada pelo manto do exíguo prazo prescricional ânuo a conduta da seguradora quando não efetua o pagamento devido e também não externa as razões da recusa.

– O segurado, por intermédio da exibição de documentos, pretendeu conhecer as razões do indeferimento do pedido, o que evidencia a necessidade e a utilidade da medida cautelar e marca a interrupção da prescrição, por se tratar de ato judicial promovido pelo titular em defesa do direito subjetivo perseguido.

Recurso especial provido.(REsp 292046 / MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relª. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 25/4/2005)

CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRAZO PRESCRICIONAL. INTERRUPÇÃO.

– A ação cautelar de exibição de documentos tem como escopo, avaliar a conveniência da ação de cobrança. É exercida, justamente, para defender, ainda que de forma indireta, o direito à indenização securitária.

– O ajuizamento de ação cautelar, preparatória para a ação de cobrança, interrompe o prazo prescricional, que recomeça com o término do processo cautelar (Art. 173 c/c 178, § 6º, do CCB/1916).(REsp 605957 / MG, Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJ 16/4/2007)

No mesmo sentido: 102.498/SP, 4ª Turma, Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 29/8/2005; REsp 202.564/RJ, 4ª Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 1º/10/2001).

Tem-se, no presente caso, que – o ajuizamento da ação declaratória incidental à execução – demonstra que o titular do direito não permaneceu inerte durante o curso do prazo prescricional. Ao contrário, ele cuidou de protegê-lo, ao buscar a declaração de inexistência de relação jurídica, a fim de provar que era falsa a assinatura posta no contrato de locação e que fora reconhecida a firma pelo Cartório, como verdadeira.

Além disso, o art. 202, I, do Novo Código Civil, que repete com poucas alterações o art. 172, I, do Código Civil de 1916, não condiciona a interrupção da prescrição ao despacho do juiz que ordena a citação na ação em que o autor diretamente persegue o direito material.

É absolutamente razoável admitir que a citação referida na Lei pode ser a da ação declaratória que foi proposta, que não tem outra finalidade senão assegurar o resultado prático (realização do direito material) do processo indenizatório destes autos.

Daí conclui-se, sem dificuldade, que em 2001, quando o juiz ordenou a citação na ação declaratória, a prescrição foi interrompida.

11.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

Ministro SIDNEI BENETI
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010/0016191-3
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.177.372 / RJ
Números Origem: 200800118403 200813518383 200900500501
PAUTA: 05/08/2010 JULGADO: 12/08/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS
ADVOGADO : DÉBORA DE SOUZA BECKER LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO
ADVOGADO : FRANCISCO SANTOS DA ROCHA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil – Indenização por Dano Moral

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti, negando provimento ao recurso especial, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS). Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi e Massami Uyeda.

Brasília, 12 de agosto de 2010
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.372 – RJ (2010/0016191-3)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS
ADVOGADO : DÉBORA DE SOUZA BECKER LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO
ADVOGADO : FRANCISCO SANTOS DA ROCHA E OUTRO(S)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): A controvérsia posta a desate cinge-se a determinar se, na espécie, o DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS, pode figurar no polo passivo da ação ordinária proposta por MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO, objetivando a condenação por danos morais.

Conforme noticia o acórdão recorrido, à fl. 143, a ora recorrida afirma haver sido surpreendida com citação em uma ação de execução, referente à cobrança de aluguéis de um imóvel localizado na Barra da Tijuca, na qual figurava como fiadora juntamente com o seu marido, embora desconhecesse o contrato. Informa que perícia grafotécnica atestou a falsidade de sua assinatura em cartão de abertura de firma, bem como no mencionado contrato de locação, o que culminou em sentença que julgou o pedido declaratório procedente e, por sua vez extinguiu o processo de execução, na forma do art. 618, I, do CPC. Acresce que em grau de recurso entendeu-se pela validade da fiança, com reserva de sua meação sobre o produto da arrematação dos bens penhorados, o que culminou no prosseguimento da execução e consequente leilão do seu único imóvel.

Os fatos acima elencados motivaram a recorrida a ajuizar ação de indenização por danos morais contra o recorrente, a qual foi julgada procedente, decisão esta que restou mantida pelo Tribunal local.

Irresignado, o recorrente aviou, então, recurso especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF), sustentando violação dos arts. 535 do CPC, 1º e 22 da Lei 8.935/1994, 38 da Lei 9.492/1997, 189, 197 e 204 do Código Civil, bem como divergência jurisprudencial.

Na sessão do dia 12.08.2010, o Ministro Relator SIDNEI BENETI negou provimento ao recurso especial. O entendimento esposado pelo Ministro Relator restou assim sumariado:

RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECONHECIMENTO DE FIRMA. FALSIFICAÇÃO. OCORRÊNCIA. TABELIÃO. RESPONSABILIDADE. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO.

I. Embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes, logo, não há que se falar em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.

II. É inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano por meio: (a) da juntada de certidão ou de cópia autenticada do acórdão paradigma, de modo que, na falta dessa autenticação, deve o advogado certificar a veracidade da referida cópia; (b) da citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado em que o acórdão divergente foi publicado; (c) do cotejo analítico, com a transcrição dos trechos dos acórdãos em que se funda a divergência, além da demonstração das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a mera transcrição da ementa e de trechos do voto condutor do acórdão paradigma.

III. Não cabe recurso especial contra acórdão que, sob fundamento única e exclusivamente constitucional, julga o tema da responsabilidade dos cartórios. Mormente considerada inexistência de orientação pacificada nesse Tribunal sobre o tema.


IV. Para a ocorrência da prescrição é imprescindível a demonstração da inércia do titular do direito, que, prolongada no tempo, provoca a insegurança social por impedir a consolidação das situações jurídicas. O ajuizamento de ação declaratória de falsidade de assinatura aposta no cartão de autógrafos e no contrato de locação, preparatória para a ação indenizatória, interrompe o prazo prescricional. Recurso Especial improvido.

Pedi vista dos autos tão somente para melhor apreciar a matéria concernente à questão da legitimidade passiva do cartório extrajudicial para figurar no polo passivo de ação indenizatória por ato ilícito decorrente de atividade cartorária.

Pois bem, após exame detido dos autos, cheguei à conclusão diversa do nobre Relator.

De início, vale acentuar que o conteúdo normativo dos arts. 1º e 22 da Lei nº 8.935/94 e art. 38 da Lei nº 9.492/97 foi devidamente prequestionado, ainda que implicitamente, sendo de rigor, portanto, a inaplicabilidade das Súmulas 282 e 356 do STF.

No mais, sobre o tema ora em evidência, em voto-vista proferido no RESP 911.151/DF, relator Ministro Massami Uyeda, externei meu posicionamento no sentido de que os cartórios extrajudiciais não detêm legitimidade passiva para responder pelos danos decorrentes dos serviços notariais.

Deveras, como lançado nas razões de decidir do referido voto, os cartórios extrajudiciais, também chamados de ofícios e serventias, são unidades autônomas e independentes de prestação de serviço público, efetivados em caráter privado, cuja delegação é conferida a um particular após aprovação em concurso público. É dizer, não possuem tais figuras personalidade jurídica própria.

Ademais, não pode também a serventia ser classificada como ente despersonalizado detentor de capacidade processual (como a massa falida, a sociedade de fato, o espólio, a herança jacente ou vacante e o condomínio – ex vi do art. 12 do CPC), pois não é sujeito de direitos, tampouco constitui uma universalidade de bens de conteúdo econômico imediato.

Vale ressaltar que o acervo cartorial contém, além de outros bens, documentos os quais ostentam natureza de arquivo público, não podendo, portanto, ser comercializado; somente gerenciado, por meio de delegação prevista constitucionalmente.

Sob esse prisma, a seguinte lição de Carlos Roberto Teixeira Guimarães, verbis:

A serventia nada mais é do que o espaço físico de uma repartição pública, onde, se presta um tipo de serviço público essencial à inserção do indivíduo na ordem jurídica, para o efetivo exercício de determinados interesses tutelados, ou, para a expressão documental da personalidade.

Assim é que, no cartório é que se deve instrumentalizar, o nascimento, o matrimônio, o óbito, o apontamento de títulos e documentos protestáveis, a lavratura e o respectivo registro de direitos reais imobiliários acima do valor de lei, a constituição etc, da pessoa jurídica de direito privado e tantas outras atribuições úteis à vida em sociedade.

O constituinte de 1988 determinou a prestação extrajudicial ao particular por delegação do poder público. Isso significa que é legítima a gerência privada de um serviço público de titularidade primariamente estatal, pois, ao constituinte, sabedor da hipertrofia estatal, pareceu melhor esvaziar o Estado, ou seja, desestatizar.
(…)

Então, a estabilidade no serviço extrajudicial, para o oficial delegado tem como termo inicial o ato administrativo de delegação pela autoridade competente. Aqui, é que primariamente começa a responsabilidade, pois, é ato de delegação que se tem o marco da investidura em função pública.
(…)

A delegação é uma descentralização administrativa intuitu personae na pessoa do oficial delegatário (…).

(…)

Aqui identificamos uma espécie de ausência de responsabilidade civil, seja pelo regime ordinário, ou pelo regime extraordinário, pois, à serventia, a repartição pública cartorial, não se empresta personalidade civil, porque não é pessoa titular de direitos e deveres na ordem jurídica, privada ou pública. O cartório não atende ao artigo 1º, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil".

O acervo cartorial é um arquivo, um composto de bens singulares sem conteúdo econômico imediato, mas de interesse que repercute em toda nação. Ali se tem parte da história do Brasil.

Assim é que, muito menos, à serventia extrajudicial notarial e de registro é pertinente a personalidade tratada no art. 2º, e o restante do art. 41, bem como, aquilo estampado no art. 45 (…)

(…)

Isto quer dizer que a serventia não é sujeito de direito, motivo pelo qual, no máximo poderia ser encarada como objeto de direito, que também não o é, pois, somente a mobília é bem móvel objeto de direito real ou pessoal; e os documentos oriundos do serviço têm natureza de arquivo público.

Destarte, o arquivo público está fora do comércio jurídico de direito privado, tanto que, só se defere seu gerenciamento, pela delegação constitucional dos serviços notariais e de registros públicos. Esta delegação transfere a estabilidade no gerenciamento do foro extrajudicial.

Por isso, não há relação jurídica entre o cartório e qualquer pessoa.

A invenção do constituinte na delegação constitucional não tirou da serventia a natureza de mera repartição pública, pois, a preocupação maior do legislador é com a eficiência no serviço pela desestatização.

No regime ordinário temos a descentralização na pessoa do particular, daí porque é esta a pessoa que ordinariamente responde por tudo do cartório, enquanto, no regime extraordinário, a responsabilidade pelo cartório é do Estado (…)

A responsabilidade vem da personalidade e como tal, o cartório, só é um arquivo público gerenciado por particular, daí porque, a serventia, ou o serviço não responderem por quaisquer débitos.

(…)

O tabelião público ou o oficial público registrador não são, certamente, empresários, muito menos, profissionais liberais, "Suas" serventias são arquivos públicos de todos do povo.

Portanto, por não se tratar de unidade econômica, muito menos por não ter personalidade jurídica, ao cartório não se empresta responsabilidade civil por débitos de quaisquer natureza, inclusive por direitos do trabalhador.

Todos os danos ou débitos ou dívidas e créditos ocorrentes no espaço e no tempo da repartição cartorial, se devem aos seus responsáveis e nunca a serventia em si mesma, que não é personagem na ordem jurídica. (In: A Responsabilidade Civil Cartorária Extrajudicial, Rio de Janeiro: Senai/RJ, 2005, p. 50-53 e 129-131 – os grifos não são do original)

Desta feita, conclui-se que a responsabilidade civil decorrente da má prestação de serviços cartorários (notariais e de registro) deverá ser imputada ao titular da serventia ou, ainda, ao Estado – mas não ao cartório extrajudicial. Nessa esteira, o seguinte precedente desta Corte Superior:

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia.

No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido. (REsp 545.613/MG, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ 29.06.2007)

Ademais, como pontificou o Min. Massami Uyeda, no julgamento do Resp 911.151/DF, "a legitimidade dos cartórios apenas estenderia a responsabilidade para os tabeliães sucessores para atos pretéritos, porquanto somente eles teriam patrimônio para arcar com os resultados da demanda. Esses sucessores, entretanto, não adquiriram fundo de comércio ou foram transferidos em todos os direitos e obrigações, mas apenas assumiram delegação diretamente efetuada pelo Poder Público, estando infensos aos prejuízos ou lucros auferidos pelo seu antecessor".

Por fim, impende registrar que o entendimento acima exposto reflete a recente orientação jurisprudencial desta Corte, como demonstram os julgados abaixo colacionados:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TABELIONATO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DO TITULAR DO CARTÓRIO À ÉPOCA DOS FATOS.

1. O tabelionato não detém personalidade jurídica, respondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior. Precedentes.

Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 624.975/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 11/11/2010)

RECURSO ESPECIAL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NÃO OCORRÊNCIA – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – NATUREZA JURÍDICA – ORGANIZAÇÃO TÉCNICA E ADMINISTRATIVA DESTINADOS A GARANTIR A PUBLICIDADE, AUTENTICIDADE, SEGURANÇA E EFICÁCIA DOS ATOS JURÍDICOS – PROTESTO – PEDIDO DE CANCELAMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – TABELIONATO – ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA RECONHECIDA – AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE – RECURSO IMPROVIDO.

I – É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tão-somente, explicitar os motivos que entendeu serem suficientes à composição do litígio, não havendo falar, na espécie, em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.

II – Segundo o art. 1º da Lei n° 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são conceituados como "organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos".

Dispõe, ainda, referida Lei que os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, além de que estão sujeitos às penalidades administrativas previstas nos arts. 32, 33, 34 e 35, no caso de infrações disciplinares previstas no art. 31 da mesma Lei.

III – Os cartórios extrajudiciais – incluindo o de Protesto de Títulos – são instituições administrativas, ou seja, entes sem personalidade, desprovidos de patrimônio próprio, razão pela qual, bem de ver, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como empresa ou entidade, afastando-se, dessa forma, sua legitimidade passiva ad causam para responder pela ação de obrigação de fazer.

IV – Recurso especial improvido.

Ante o exposto, pedindo vênia ao e. Min. Relator, DOU PROVIMENTO ao presente recurso especial, para reconhecer a ilegitimidade passiva do DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS e julgar extinto o feito, consoante dispõe o art. 267, VI, do CPC. Em razão da sucumbência, condeno a recorrida a suportar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes arbitrados no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, observada, se for o caso, a gratuidade de justiça.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010/0016191-3
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.177.372 / RJ
Números Origem: 200800118403 200813518383 200900500501
PAUTA: 05/08/2010 JULGADO: 03/05/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS
ADVOGADO : DÉBORA DE SOUZA BECKER LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO
ADVOGADO : FRANCISCO SANTOS DA ROCHA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil – Indenização por Dano Moral

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, divergindo do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Aguardam os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Massami Uyeda.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.372 – RJ (2010/0016191-3)

VOTO-VENCEDOR

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO:

Eminentes Colegas. Pedi vista dos autos para melhor examinar a questão referente à legitimidade passiva do recorrente, mormente em razão da divergência verificada entre o voto do eminente relator e o voto do eminente Min. Vasco Della Giustina.

Cumpre verificar se o DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS possui legitimidade passiva para responder ação de indenização por danos morais proposta por MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO, devido à má prestação de serviço cartorário, consistente no reconhecimento de firma mediante assinatura falsificada.

No recurso especial, interposto com fulcro no art. 105, III, "a" e "c" da Constituição Federal, o recorrente alegou, quanto à sua ilegitimidade passiva, negativa de vigência aos artigos 1º e 22 da Lei n.º 8.935/94 e 38 da Lei 9.492/97, além de divergência jurisprudencial.

Para o eminente Ministro Sidnei Beneti, relator do recurso especial, a alegação não pode ser conhecida por dois fundamentos: a) "[…] a suscitada divergência não atende às exigências dos artigos 541, paragrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, uma vez que não comprovada, pois não foram apresentadas as cópias dos Acórdãos paradigmas e não foi citado o repositório oficial autorizado ou credenciado, em que esses foram publicados."; b) "[…] o acórdão resolveu a questão da legitimidade do Cartório, adentrando, com base em fundamento único e estritamente constitucional – artigo 37, §6º, da Constituição Federal, cujo exame refoge à Competência desta Corte". Considerou, ainda, o eminente relator, a ausência de pacificação da matéria nesta Corte, circunstância que, em tese, autorizaria a mitigação da exigência de prequestionamento infraconstitucional, em homenagem à unicidade da orientação jurisprudencial nacional.

O eminente Ministro Vasco Della Giustina, por sua vez, em voto-vista antecipado, divergiu, reputando implicitamente prequestionado o conteúdo normativo dos artigos 1º e 22 da Lei n.º 8.935/94 e art. 38 da Lei n.º 9.492/97, reconhecendo, no mais, a ilegitimidade passiva do recorrente e julgando extinto o feito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

Com a vênia do eminente relator, acompanho a divergência, pois tenho que os dispositivos infraconstitucionais, cuja negativa de vigência ora se alega, efetivamente foram implicitamente prequestionados no acórdão recorrido, de modo que não incidem à espécie os óbices das Súmulas 282 e 356 do STF, impondo-se o conhecimento do recurso.

A Lei n.º 8.935/94 (Lei Orgânica do Serviço Notarial e Registral) e a Lei n.º 9.492/97 (Protesto de títulos e outros documentos) expressamente estatuíram a responsabilidade pessoal dos notários e oficiais de registro pelos danos causados a terceiros no exercício da atividade notarial ou registral, consoante se infere, respectivamente, dos seus artigos 22 e 38, verbis:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros o direito de regresso no caso de dolo e culpa de seus prepostos.

Art. 38. Os tabeliães de protesto de títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

Como se vê, em nenhum momento fora reconhecida a responsabilidade dos cartórios por eventuais danos causados a terceiros, mas apenas do titular da serventia, em face da delegação do serviço que lhe é conferida pelo Poder Público em seu nome.

Entretanto, o acórdão recorrido (fls. 149/154) reconheceu a legitimidade passiva ad causam do ofício de notas, entendendo que "[…] a despeito da serventia extrajudicial não ostentar personalidade jurídica, sendo serviço público delegado, prestado em caráter privado (art. 236, da CRFB), detém, por outro lado, personalidade judiciária, de modo a ser equiparado às pessoas formais, constante no rol exemplificativo do art. 12 do CPC".

Efetivamente, as serventias extrajudiciais não são dotadas de personalidade jurídica, pois esta é adquirida apenas com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, aquisição a que estão sujeitos apenas os entes constantes do art. 44 do Código Civil.

Esta é, também, a orientação predominante desta Corte, que reconheceu, em várias oportunidades, a ausência de personalidade jurídica das serventias.

A doutrina perfilha idêntico entendimento, conforme leciona Ana Luísa de Oliveira Nazar de Arruda:

Todas as expressões: cartórios extrajudiciais, ofícios ou serventias, representam uma única idéia consistente na atividade desenvolvida em caráter privado e independente para a prestação de serviços públicos. A referida atividade está atrelada ao Poder Judiciário quanto à fiscalização e regulamentação dos serviços.

Os cartórios são, portanto, unidades independentes de prestações de serviços públicos. São serventias extrajudiciais ligadas ao Poder Judiciário, que não possuem personalidade jurídica própria. São centros autônomos de prestação de serviços públicos delegados a um particular após aprovação em concurso de provas e títulos.

[…]

Por serem entes despersonalizados, são os seus titulares que, após o devido concurso público de provimento ou remoção, responderão pelos atos praticados no desenvolvimento das funções, devendo eventual demanda judicial ser proposta em face do titular, pessoa física, e não em face do cartório (Cartórios Extrajudiciais: Aspectos Civis e Trabalhistas, São Paulo: Atlas, 2008, p. 14/15).

A divergência, todavia, permanece quanto à possibilidade de a serventia ser equiparada às pessoas formais do art. 12 do Código de Processo Civil, de modo a ostentar personalidade judiciária. A egrégia Quarta Turma, quando do julgamento do Recurso Especial 476.532/RJ, da relatoria do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, reconheceu a legitimidade do cartório para figurar como parte em juízo, nos termos da seguinte ementa:

CARTÓRIO DE NOTAS. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva do cartório. Pessoa Formal. Recurso conhecido e provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel. (REsp 476.532/RJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 04.08.2003).

Entretanto, tenho que as serventias não podem ser consideradas pessoas formais, tal como são a massa falida, a sociedade de fato, o espólio e a herança jacente ou vacante, pois esses entes consubstanciam uma universalidade de bens e direitos, com conteúdo econômico imediato, sendo capazes de contrair direitos e obrigações.

Os cartórios ou serventias, por sua vez, de modo diverso, representam apenas o espaço físico onde é exercida a função pública delegada, compostos de bens pertencentes exclusivamente a cada um de seus titulares, além de documentos públicos que ostentam natureza de arquivo público e, portanto, não comercializáveis.

Vale dizer, pois, que os cartórios não são empresas, já que não possuem fundo de comércio, não visam ao lucro e, tampouco, estipulam livremente o valor dos emolumentos cobrados.

Ademais, nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.935/94, é exclusiva do titular da serventia a responsabilidade pelo "[…] gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal".

Por fim, registra-se que a titularidade de uma serventia sempre é adquirida de forma originária ou derivada, através de concurso público de ingresso ou remoção, não podendo, portanto, ser transferida.

Por isso, professa Márcia Rosália Schwarzer, em uma questão ainda mais delicada, que é a ilegitimidade passiva do atual titular pelo pagamento de débitos atrasados do antigo titular, especialmente trabalhistas e previdenciários, verbis:

"Há ilegitimidade de partes entre atuais e futuros titulares, da mesma serventia, em caso de sucessão trabalhista, civil, previdenciária ou penal" (Curso de Direito Notarial e Registral: da origem à responsabilidade civil, penal e trabalhista. Porto Alegre: 2008, p. 218).

Destarte, não há como reconhecer a legitimidade passiva de uma serventia extrajudicial para responder a ação de indenização por danos morais. Com estas considerações, filio-me à jurisprudência mais recente e dominante desta Corte, que tem entendimento contrário ao firmado pelo Tribunal a quo, no sentido de considerar legitimado para responder pelos danos causados por ato seu ou dos seus prepostos, o titular da serventia e, objetivamente, o Estado.

Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TABELIONATO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DO TITULAR DO CARTÓRIO À ÉPOCA DOS FATOS.

1. O tabelionato não detém personalidade jurídica, respondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 624975/SC, Quarta Turma, Relatora Ministra MARIA ISABEI GALLOTTI, maioria de votos, com os votos dos Ministros Luis Felipe Salomão e Raul Araújo, ausentes os Ministros Luis Felipe Salomão e João Otávio de Noronha, DJe 11/11/2010);

RECURSO ESPECIAL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NÃO OCORRÊNCIA – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – NATUREZA JURÍDICA – ORGANIZAÇÃO TÉCNICA E ADMINISTRATIVA DESTINADOS A GARANTIR A PUBLICIDADE, AUTENTICIDADE, SEGURANÇA E EFICÁCIA DOS ATOS JURÍDICOS – PROTESTO – PEDIDO DE CANCELAMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – TABELIONATO – ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA RECONHECIDA –
AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE – RECURSO IMPROVIDO.

I – É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tão-somente, explicitar os motivos que entendeu serem suficientes à composição do litígio, não havendo falar, na espécie, em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.

II – Segundo o art. 1º da Lei n° 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são conceituados como "organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos". Dispõe, ainda, referida Lei que os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, além de que estão sujeitos às penalidades administrativas previstas nos arts. 32, 33, 34 e 35, no caso de infrações disciplinares previstas no art. 31 da mesma Lei.

III – Os cartórios extrajudiciais – incluindo o de Protesto de Títulos – são instituições administrativas, ou seja, entes sem personalidade, desprovidos de patrimônio próprio, razão pela qual, bem de ver, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como empresa ou entidade, afastando-se, dessa forma, sua legitimidade passiva ad causam para responder pela ação de obrigação de fazer.

IV – Recurso especial improvido. (REsp 1.097.995/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, votação unânime, com os votos dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina – Desembargador convocado TJ/RS e Nancy Andrighi, DJ 21/09/2010)

RECURSO ESPECIAL – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – TABELIONATO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 22 DA LEI N. 8.935/94 – LEI DOS CARTÓRIOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIONATO – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – AUSÊNCIA – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O art. 22 da Lei n. 8.935/94 não prevê que os tabelionatos, comumente denominados "Cartórios", responderão por eventuais danos que os titulares e seus prepostos causarem a terceiros.

2. O cartório extrajudicial não detém personalidade jurídica e, portanto, deverá ser representado em juízo pelo respectivo titular.

3. A possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 do Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial.

4. Recurso especial improvido. (REsp 911.151 / DF, Terceira Turma, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, maioria de votos, acompanhado pelos Ministros Vasco Della Giustina, Paulo Furtado e Nancy Andrighi, vencido o Min. Sidnei Beneti, DJe 06/08/2010);

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido. (REsp 545613/MG, Quarta Turma, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, maioria de votos, acompanhado pelo Ministro Hélio Quaglia Barbosa, vencido o Ministro Barros Monteiro, afirmou suspeição o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 29/06/2007, p. 630)

RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

A responsabilidade civil por dano causado a particular por ato de oficial do Registro de Imóveis é pessoal, não podendo o seu sucessor, atual titular da serventia, responder pelo ato ilícito praticado pelo sucedido, antigo titular. Recurso especial não conhecido. (REsp 443467/PR, Terceira Turma, Rel. Min. CASTRO FILHO, votação unânime, com os votos dos Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi, DJ 01/07/2005, p. 510)

Ante o exposto, acompanho o voto do eminente Ministro Vasco Della Giustina em todos os seus termos, dando provimento ao recurso especial e decretando a extinção do processo.

Ficam invertidos os encargos sucumbenciais.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2010/0016191-3
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.177.372 / RJ
Números Origem: 200800118403 200813518383 200900500501
PAUTA: 28/06/2011 JULGADO: 28/06/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : DÉCIMO QUARTO OFÍCIO DE NOTAS
ADVOGADO : DÉBORA DE SOUZA BECKER LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA ALCINA DE JESUS TRINDADE COELHO
ADVOGADO : FRANCISCO SANTOS DA ROCHA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil – Indenização por Dano Moral

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino dando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhado dos Srs. Ministros Nancy Andrighi e Massami Uyeda, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro Relator que negava provimento ao recurso especial. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino os Srs. Ministros Vasco Della Giustina, Nancy Andrighi e Massami Uyeda.

 

Fonte: STJ