"Vamos dar aquela espiadinha?". Com essa pergunta, o apresentador do reality show "Big Brother Brasil" convida, ano após ano, os telespectadores a se deleitarem com a exposição da vida real de pessoas anônimas, bastando, para tanto que permaneçam em frente aos seus televisores, nada mais.
Não, caro leitor, você não acessou a coluna errada, estamos no Registralhas, que tem por missão especial trazer reflexões, críticas, sugestões e aplausos para a atividade notarial e registral, contextualizando-a ao nosso dia a dia.
Por essa razão, esclarecemos que o nosso "Big Brother Notarial" não é transmitido por nenhuma emissora de televisão, mas já está disponível na página virtual da CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados, criada e administrada pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) e tem a finalidade de interligar as serventias notariais, permitindo o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações e dados, permitindo o acesso direto de órgãos do Poder Público a informações e dados correspondentes ao serviço notarial.
Essa nova ferramenta surgiu do Termo de Cooperação firmado entre a Corregedoria Nacional de Justiça e o Colégio Notarial do Brasil, em 8 de agosto de 20121 que culminou, vinte dias depois, no provimento 18/2012, em vigor desde 2 de janeiro de 2013.
A partir de agora, o Poder Judiciário, o Ministério Público e órgãos do Executivo, como a Polícia Federal, poderão dar "aquela espiadinha" nos atos notariais praticados pelos Tabelionatos de todo o Brasil, permitindo o acesso às escrituras de compra e venda de imóveis, divórcios, procurações, etc., de forma rápida, ágil, segura e gratuita, bastando, para tanto acessar o site da CENSEC e informar o número do processo ou procedimento do qual originada a solicitação2.
De acordo com o provimento 18, a obrigação de alimentar o CENSEC com as informações acerca dos atos notariais relativos às escrituras de compra e venda de imóveis, procurações etc., será do tabelião responsável pelo ato, que a partir de então assumiu mais essa incumbência, dentre outras tantas que desempenha diariamente.
Diferentemente do programa de televisão, no qual vencedor é um dos integrantes da trupe, no “nosso” Big Brother o ganhador do prêmio é toda a sociedade, que clama por um combate efetivo à lavagem de dinheiro, à corrupção e ao desvio de dinheiro público.
Tudo começou em 2009, quando a lei 11.977/09, que trata do programa Minha Casa Minha Vida, regularização fundiária e outros assuntos, trouxe uma exigência em seu artigo 37 prestigiando a atividade extrajudicial, ao exigir a obrigatoriedade da instituição de sistema eletrônico de registro, os quais devem atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), bem como a disponibilização de serviços de recepção de títulos e de certidões em meio eletrônico.
De olho nessa evolução tecnológica a ENCCLA3(Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) em sua reunião plenária anual, resolveu deliberar a "AÇÃO 11", cujo objetivo era "criar mecanismos normativos para a interligação dos cartórios de notas informatizados, de acordo com o modelo do Colégio Notarial do Brasil"4.
A partir de então, o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil e o Conselho Nacional de Justiça celebraram um termo de acordo que ensejou a edição do provimento p18/2012, responsável pela criação da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC.
Essa nova ferramenta tem por finalidade auxiliar autoridades públicas no combate aos crimes de lavagem de dinheiro, investigando eventual lavratura de procurações em nome de laranjas destinadas a realização de transações financeiras, abertura de empresas de fachada, simulações na transferência de propriedades ou qualquer ato civil praticado nos diversos cartórios espalhados pelo Brasil, obtendo-se o nome da pessoa, tipo de ato, o local em o ato foi lavrado e o valor patrimonial envolvido.
O tema não poderia ser mais atual.
Os últimos dias têm nos mostrado o descontentamento do povo brasileiro, que saiu pelas ruas em verdadeiras Cruzadas para levantar sua voz contra a corrupção sistêmica que há anos corrói parte de nossa classe política e empresarial, afetando o desempenho da máquina pública, em prejuízo a toda a coletividade, fomentando a desigualdade econômica e a exclusão social.
Porém, é com grata satisfação que informamos ao nosso leitor que meses antes desse movimento popular, o CNB e o CNJ já se debruçavam sobre o texto do Provimento 18, para o fim de criar uma importante ferramenta no combate à corrupção, permitindo o aprimoramento dos serviços de notas, com a instrumentalização de iniciativas de interesse público, notadamente a informatização e a racionalização na busca de atos notariais, interligando os Tabelionatos entre si, bem como com o Poder Judiciário e demais órgãos públicos, de modo a viabilizar a rápida e segura informação sobre os atos praticados no cartório, por mais distante que esteja da autoridade investigadora/julgadora.
Segundo o Provimento 18/CNJ, a CENSEC será composta pelos seguintes módulos operacionais5:
– Registro Central de Testamentos On-Line – RCTO: destinado à pesquisa de testamentos públicos e de instrumentos de aprovação de testamentos cerrados, lavrados no país;
– Central de Escrituras de Separações, Divórcios e Inventários – CESDI: destinada à pesquisa de escrituras a que alude a Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007;
– Central de Escrituras e Procurações – CEP: destinada à pesquisa de procurações e atos notariais diversos.
– Central Nacional de Sinal Público – CNSIP: destinada ao arquivamento digital de sinal público de notários e registradores e respectiva pesquisa.
Além de ser uma importante ferramenta de combate à atuação dos corruptores, a criação da CENSEC confirma a importância dos Tabeliães de Notas para a evolução das instituições brasileiras, eis que suas atribuições, agora, vão além de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos6, assumindo fundamental participação no enfrentamento desse problema social, com especial relevância na fase investigatória e instrutória das ações que visam combater a lavagem de dinheiro, o desvio de verba pública e a corrupção.
Vale lembrar que, em 09 de julho de 2012, foi publicada a lei 12.683, cuja finalidade é "tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro".
De acordo com o artigo 2º da referida norma, que por sua vez altera o artigo 1º da lei 9.613/1998, considera-se conduta típica do crime de lavagem de dinheiro: "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. – Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa".
Todavia, apurar a ocultação ou dissimulação de propriedade de bens não é tarefa fácil, diante da extensão territorial do Brasil.
A expedição de ofícios e requerimentos ao mais longínquo Tabelionato de Notas e a respectiva resposta, poderia levar meses até chegar ao seu destinatário (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal etc.), além da possibilidade de extravio ou mesmo ausência de resposta, circunstâncias que contribuíam com a maior lentidão na apuração dos fatos e, eventualmente no decurso do prazo para a denúncia ou condenação, em razão do instituto da prescrição, provocando, na sociedade civil, a amarga sensação de impunidade.
De acordo com recente notícia publicada no site do CNJ7, de 1º janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011, foi declarada a prescrição de 2.918 ações e procedimentos penais relativos a tais ilegalidades.
Desse modo, inexorável a conclusão de que o Estado Brasileiro, mais uma vez atribui aos serviços notariais a responsabilidade de cuidar da segurança das informações para o bem estar de toda a sociedade, eis que a criação da CENSEC permitirá que as autoridades Judiciárias, Policiais e o Ministério Público imprimiram maior agilidade na tramitação de ações judiciais e investigações policiais, e, consequentemente, na efetiva punição daqueles que, há anos, estão hospedados no reality show da corrupção.
É o Tabelionato de Notas contribuindo com o efetivo combate à corrupção e lavagem de dinheiro.
Como diz o famoso apresentador: "Estamos de olho!"
Até o próximo Registralhas.
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1Termo de Cooperação Técnica 24/2012.
2Conforme parágrafo segundo do artigo 18 do Provimento 18/2012.
3"Criada em 2003, por iniciativa do Ministério da Justiça, como forma de contribuir para o combate sistemático à lavagem de dinheiro no País. Consiste na articulação de diversos órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, com o objetivo de identificar e propor seu aprimoramento". (conforme informações obtidas no site do Ministério da Justiça: último acesso em 20/6/2013)
4Ministério da Justiça.
5Conforme artigo 2º, incisos I, II, III e IV do Provimento 18/2012 – CNJ
6Conforme artigo primeiro da Lei nº 8.935/94
7CNJ, último acesso em 20 de junho de 2013.
Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.
Marcus Vinícius Kikunaga é advogado, ex-substituto notarial em São Paulo e especialista em Direito Notarial e Registral pela EPD – Escola Paulista de Direito.
Fonte: Migalhas