Crianças e adolescentes sob guarda ou tutela ainda precisam de declaração específica dos guardiães e cuidadores que comprovem dependência econômica para terem situação equiparada a filho na Previdência Social. A Medida Provisória n. 1.523/1996 convertida na Lei n. 9.528/1997 que alterou a Lei 8213/91, retirou crianças e adolescentes sob guarda da condição de dependente do segurado da Previdência Social. Como exemplifica o defensor público Várlen Vidal, diretor do IBDFAM/MG, nos casos em que os avós detém a guarda dos netos, a ocorrência do óbito deixa o menor em total desamparo. “Agora além do desamparo afetivo, há o desamparo material. Se não houver uma política pública forte o suficiente para ampará-los, isto tem uma repercussão social muito grande, porque não saberemos ou tememos responder para onde vão essas crianças e adolescentes”, afirma.
Desde essa alteração, tem se questionado a legitimidade constitucional da norma. Com a Lei n. 9.528/1997, o artigo 2º passou a dispor o seguinte: “O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”
Apesar da publicação da MP, de acordo com Varlen, a situação ainda não está definida. Ele explica que, inicialmente, houve entendimento do STJ equiparando a criança e adolescente ao dependente. Posteriormente, criou-se o entendimento de que somente era considerado dependente quem estava nessa condição para os óbitos ocorridos até dezembro de 1997, ou seja, data em que a lei foi promulgada. Em seguida foi reconhecida a incompatibilidade material do artigo 62, § 2º da Lei 8.213/1991, fazendo prevalecer os princípios da proteção integral da criança e do adolescente, bem como o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da seguridade Social. “O INSS reagiu e suscitou o incidente de uniformização de jurisprudência junto ao STJ. Com isso, o Ministro Jorge Mussi, liminarmente, decidiu a suspensão de todos os processos dessa natureza. O pedido do INSS ainda não foi julgado e quem esteja em situação como essa deve ingressar judicialmente”, completa.
Inconstitucionalidade da norma
Várlen Vidal cita o artigo 227 da Constituição, em seu parágrafo 3º, inciso I que diz que o direito de proteção especial da criança e do adolescente abrangerá a garantia de direitos previdenciários. O artigo 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependentes, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. “Fácil perceber, pois, que a referida lei, originária da medida provisória em análise, é bastante viciada, pois fere o princípio constitucional da proteção integral da criança e do adolescente. Lado outro, vem desconhecer também um fenômeno social que estamos vivenciando, onde os avós vem assumindo a guarda de seus netos, em razão de gravidez indesejada, desavença dos pais, abandono e outros motivos, que não só previdenciários”, explica.
Para Várlen, a Constituição entende a criança e adolescente como pessoa em formação e que necessita de amplo amparo para se desenvolver. “O direito da criança e adolescente partiu de um período em que os animais possuíam mais direitos do que as crianças, passou por um período onde essa parcela foi entendida como sujeito de proteção e chegou aos dias de hoje como sujeito de direito. Ora, retirar das crianças e adolescentes o direito à garantia previdenciária para aqueles que estão sob a guarda de terceiros representa um retrocesso na trajetória, que, para não ir muito longe, vem desde a revolução industrial”, completa.
Fonte: Ibdfam