Em ação de investigação de paternidade e anulação de registro civil STJ determina inclusão de pai biológico

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, por maioria de votos, que os registros de nascimento de duas pessoas sejam alterados para constar o nome do pai biológico, que foi reconhecido após investigação de paternidade.

 

A ação de investigação e anulação de registro civil foi movida pelos filhos contra o pai biológico, quando eles já tinham mais de 40 anos de idade. A 9ªVara de Família de Fortaleza reconheceu que o homem era o pai biológico e determinou a alteração no registro, mas o Tribunal de Justiça do Ceará mudou a sentença e negou o pedido de mudança.

 

Os filhos recorreram ao STJ sustentando que não poderiam ser considerados filhos sem a inclusão do nome do pai no registro de nascimento. O pai biológico contestou, argumentando que a paternidade socioafetiva pode coexistir com a biológica sem a necessidade de mudança no registro de filiação.

 

Em seu voto, no REspnº 1.417.598 – CE, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica sem a alteração do registro ainda é um assunto polêmico.

 

Ele lembrou que o artigo 1.604 do Código Civil dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”, o que não é o caso, já que o pai socioafetivo registrou os filhos voluntariamente, mesmo sabendo que não era o pai biológico das crianças.

 

“Assim, reconhecida a paternidade biológica, a alteração do registro é consequência lógica deste reconhecimento, por ser direito fundamental e personalíssimo dos filhos reconhecidos por decisão judicial proferida em demanda de investigação de paternidade”, frisou o relator.

 

Citando vários precedentes, o ministro concluiu que “a paternidade socioafetiva em face do pai registral não é óbice à pretensão dos autores de alteração do registro de nascimento para constar o nome do seu pai biológico” e restabeleceu a sentença de primeiro grau.

 

Para o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), essa decisão deve ser vista com cautela, visto que pode envolver a análise de outros aspectos por vezes não tão explícitos em uma primeira análise.

 

“Isso porque a questão pode não se resumir a um singelo direito do filho biológico ver o nome do seu pai no seu registro de nascimento, como pode parecer. A compreensão de todo o contexto, ao que tudo indica, vai além disso. Na situação descrita, o filho em questão já possuía um pai registral e socioafetivo, com uma relação paterno-filial faticamente consolidada (por mais de 40 anos), com base no que foi noticiado. Já na fase adulta houve por bem em pleitear a investigação da sua origem genética, pedindo ainda o reconhecimento da paternidade com o seu ascendente genético. Diante disso, parece prudente considerar a necessária distinção entre o direito ao reconhecimento da origem genética (um direito da personalidade) com o direito de filiação (vinculado ao direito de família), na esteira do que sustenta há muito, dentre outros, o professor Paulo Lôbo.  Ou seja, apenas o resultado do DNA positivo com o ascendente genético pode não gerar, por si só e em todos os casos, um automático reconhecimento da filiação. Esta distinção é central na análise desse tema e no acertamento de litígios dessa estirpe”, diz.

 

Ele explica, ainda, que as paternidades socioafetiva e biológica podem coexistir, sendo crescente o reconhecimento de situações de multiparentalidade ou pluriparentalidade.

 

Segundo ele, para os defensores dessas relações múltiplas seria necessário que os dois pais, por exemplo, tenham exercido de algum modo a paternidade do filho para que, então, possa ser reconhecida essa relação plúrima. E uma possibilidade que instiga os juristas na atualidade seria a hipótese de manter dois pais, por exemplo, sendo um deles socioafetivo e outro biológico, mesmo com este último não tendo vivenciado a paternidade de forma alguma. “A multiparentalidade é um tema novo, que ainda vem sendo objeto de construção no Direito brasileiro e tem muitos aspectos a avançar”, diz.

 

Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) ação que discute a prevalência da paternidade socioafetiva X biológica. Para Calderón, propor a prevalência de uma modalidade de paternidade sobre a outra, inicialmente, não parece adequado.

 

“Na atual complexidade das relações familiares temos percebido que é necessário buscar a coexistência desses modelos, com a eventual declaração da prevalência de uma ou de outra, apenas de acordo com um dado caso concreto e específico. Maior prova disso são as declarações de multiparentalidade que temos percebido. No conflito em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal (ARE 692186 RG/PB, de relatoria do ministro Luiz Fux), a orientação que parece mais adequada é a de reconhecimento da realidade socioafetiva e registral como densificadora dos respectivos vínculos parentais, conclusão essa que estaria adequada ao nosso atual Direito de Família. Para deliberar sobre tal litígio, é mister distinguir o direito ao reconhecimento da ascendência genética (da personalidade, portanto) do direito à filiação (do âmbito do Direito de Família). Essa mediação é central na temática em apreço, visto que o mero reconhecimento da ascendência genética não gera, por si, vínculos parentais em todos os casos concretos. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal enfrente tais questões ao julgar o caso que está sob seus cuidados, o que, certamente, auxiliará em muito no encontro da melhor solução para a demanda”, reflete.

 

 

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Fonte: Ibdfam