Família de Nanda e Lan Lanh pode ajudar Brasil a enxergar dupla maternidade

Sempre quis casar, ter filhos, formar uma família. E, desde os 18 anos, quando entendi que sou uma mulher lésbica, busco referências de famílias formadas por duas mães.

Como repórter, conheci dezenas delas, como a da Marcela e da Melanie, mãe de gêmeos de 3 anos, aqui de São Paulo, e a da Jurema e da Nicinha, moradoras da Rocinha, no Rio de Janeiro, juntas há mais de 40 anos e mães de oito filhos. Mais recentemente, da jogadora da seleção brasileira de futebol feminino Cris Rozeira, casada com a advogada Ana Graças e mãe do Bento, de seis meses.

Tenho muitas amigas lésbicas e trabalho com diversidade todos os dias. Por isso, realmente não me faltam referências e coleciono cada dia mais e mais exemplos de famílias inspiradoras formadas por duas mães. Ainda bem.

Mas sei que ainda sou exceção.

Meu avô de 76 anos, que é como um pai para mim, um dia terá bisnetos gerados por duas mães e provavelmente não conhece nenhuma família neste formato. A mesma coisa acontece com professores, médicos, motoristas de ônibus, funcionários públicos, futuros colegas de trabalho, enfim.

Com pouca representação positiva e realista nas novelas da TV aberta, por exemplo, as pessoas continuam com pouca ou nenhuma referência de famílias não heteronormativas. E é por isso que o nascimento das filhas gêmeas de Nanda Costa e Lan Lanh, no último dia 19, é tão importante.

Quando a atriz e a percussionista anunciaram a chegada das filhas no Fantástico, em junho — em TV aberta, rede nacional e horário nobre — imediatamente lembrei do nascimento de Sasha, filha da Xuxa, que em 1998 ganhou uma reportagem de 10 minutos no Jornal Nacional e marcou o imaginário nacional.

Ver uma família com duas mães ocupando esse mesmo espaço de destaque me emocionou muito — e quando tive a oportunidade de dizer isso à própria Lan Lanh, por telefone, durante uma entrevista, ela me contou que, quando lançou a música “Duas Mães”, recebeu imagens de crianças que têm duas mães cantando sua letra, que diz: “Não tenha medo/nós somos fortes/tem duas mães/você tem sorte”.

“Quando fiz essa música, não imaginava trazer tanta representatividade. E o que mais me emocionou foi receber o retorno dos filhos de dupla maternidade. Recebemos tantas mensagens de crianças, meninos e meninas que têm duas mães, que fomos nos conectando a outras famílias como a nossa”, me contou, por telefone.

Já são mais de 80 mil uniões homoafetivas registradas no Brasil, entre casamentos e uniões estáveis, sem contar as relações que não estão registradas, mas que são casamento — caso de Jurema e Nicinha, citadas no começo do texto, que nunca assinaram um papel em cartório, porque se apaixonaram um muito antes de existir essa possibilidade.

Mas prova de que a maternidade lésbica, ou dupla maternidade, ainda não é plenamente reconhecida no Brasil são os incontáveis relatos de entraves burocráticos: mães enfrentam problemas no registro dos bebês em cartório e na hora de emitir o CPF deles, por exemplo. Tem criança que passa meses sem certidão de nascimento porque alguns cartórios dificultam o processo.

E também relatos de preconceito. Perguntas como “quem é a mãe de verdade?” e “se importa em ser tratada como tia?” aparecem nas histórias de muitas das mães lésbicas que compartilham sua histórias comigo e com Universa.

A última vez que uma família formada por duas mães ganhou espaço na TV aberta, pelo que sei, foi há 20 anos, quando Cássia Eller era viva. Seu casamento com Maria Eugênia Vieira Martins não pôde ser registrado em cartório, mas garantiu que, depois de morrer, em 2001, seu filho, Chicão, fosse cuidado por sua outra mãe. Isso abriu espaço para que a Justiça reconhecesse, apenas uma década depois, a união homoafetiva.

Se há 20 anos o amor de Cássia e Maria Eugênia fez a opinião pública defender a dupla maternidade antes mesmo que a Justiça o fizesse, imagine o quanto podemos caminhar com a família de Nanda e Lan Lanh.

 

Deixo a resposta com elas:

“Todo mundo pergunta como vai ser criar essas crianças em meio a tanto preconceito, mas a gente vai continuar caminhando com a coragem que a gente tem de viver, de ser feliz”, me disse a percussionista, há dois meses. “Vale a pena, porque vamos deixar para as nossas filhas um terreno muito mais bonito, mais igual e mais justo do que aquele por onde nós caminhamos até aqui”.

 

Fonte: Universa uol