Menina de 5 anos é a primeira do AM com nome de pai biológico e de criação

Uma menina de cinco anos é a primeira pessoa do Amazonas a ter na sua certidão de nascimento os registros dos nomes do pai biológico e do pai socioafetivo, o “de criação”. A certidão foi expedida, nessa segunda-feira (29), no 9° Cartório de Registro Civil de Pessoa Naturais, na Zona Norte de Manaus.

 

O reconhecimento foi possível graças ao novo modelo de certidão instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo Provimento n° 63/2017, em vigor desde novembro do ano passado e implementado em todo o Brasil a partir do dia 1º deste mês.

 

A mãe da criança, uma universitária de 27 anos, que prefere manter a família em anonimato, contou que ficou junto com o atual esposo quando a filha tinha um ano e cinco meses. Desde então, ela vem sendo criada por ele como filha, enquanto o pai biológico não mantém contato com a menina.

 

“Para ela, o pai dela é o meu marido. Ela ainda não sabe que ele não é o pai biológico, estamos esperando para contar quando ela conseguir entender melhor a situação”, disse.

 

Conforme a mãe, sempre foi vontade da família que a criança tivesse o nome do pai de “criação” no lugar do nome do pai biológico, mas isso não era possível porque a Justiça não permitia. Mas isso mudou com o Provimento n° 63/2017, que institui modelo único para a emissão das certidões de nascimento, casamento e óbito e, entre outras situações, dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação (registro) da paternidade e maternidade socioafetiva.

 

A mulher disse que ficou sabendo do assunto em uma matéria na televisão em dezembro do ano passado. “Vi que, a partir do dia 1º de janeiro, seria possível incluir o nome do pai ou da mãe socioafetiva na certidão de nascimento. Bastava ir ao cartório. Era a chance que a gente tinha para colocar o nome do meu marido na certidão da minha filha. Eles têm uma ligação muito forte e com a convivência acaba que eles também têm o jeito e as manias parecidos”, afirmou.

 

Mas, concretizar a ação demandou um pouco de paciência e persistência, de acordo com a universitária. “No dia 2, liguei para o cartório do bairro onde moro para saber se estavam fazendo a nova certidão, eles disseram que não, pois esperavam ordem do tribunal. Voltei a ligar outros dias, mas a reposta era que o modelo ainda não tinha sido liberado. Me jogaram para o TJ, depois para a Vara de Família e, por fim, para a Corregedoria-Geral. Foi só quando chegou na corregedoria que o processo avançou”, contou.

 

O reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva era para ter sido feito na última sexta-feira (26), conforme a mãe da criança, mas o pai biológico não pôde ir e a presença dele era obrigatória.

 

“Hoje (segunda-feira), ele foi e conseguimos fazer a nova certidão. Minha filha ficou com o nome dos dois pais. Eu e o meu marido estamos muito felizes. Estamos casados há quatro anos e agora nossa filha vai ter os direitos que ele sempre quis que ela tivesse como sua filha, como plano de saúde e escola, por exemplo, que são disponibilizados pela empresa onde ele trabalha”, ressaltou  a mulher.

 

Reconhecimento socioafetivo já valia na ausência de pai biológico desde 2014

 

O desembargador Aristóteles Lima Thury, corregedor-geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), avalia que o novo direcionamento do CNJ completa e amplia o que já havia sido instituído, de forma inédita, no Amazonas, pelo Provimento 234/2014-CGJ, há quase quatro anos.

 

Conforme ele, o Provimento 234/2014-CGJ, que estendeu a regulamentação aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais no âmbito do Amazonas, permitiu em um primeiro momento o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva àqueles que não tinham um pai biológico registrado na certidão.

 

Agora, a iniciativa pioneira do Provimento 234/2014-CGJ, segundo o magistrado, está sendo ampliada pelo novo Provimento 63/2017 do CNJ, acompanhando a dinâmica da sociedade, mostrando que a Justiça alcança os novos conceitos.

 

“Importante lembrar que o Provimento 234/2014-CGJ tem como base o entendimento de que na doutrina e na jurisprudência pátrias, não há, a priori, hierarquia entre paternidade biológica e a socioafetiva, tendo esta como fundamento a afetividade, a convivência familiar e a vontade livre de ser pai”, destacou.

 

Outras novidades

 

O artigo 10º do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê que o reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva – o registro de pais e mães de criação –  pode ser feito a qualquer idade da vida perante os oficiais de registro civil.

 

No caso da certidão de nascimento, o documento não contém quadros preestabelecidos para o preenchimento dos genitores, o que permite que a criança tenha duas mães, dois pais ou até mesmo uma filiação entre três pessoas, como dois pais e uma mãe, como no caso da criança registrada ontem.

 

Além da autorização para o registro de maternidade e paternidade socioafetiva, o Provimento nº 63/2017 traz outras novas regras para as certidões de nascimento, casamento e óbito no Brasil, como a inclusão obrigatória do número de Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) nos documentos.

 

Origem  residencial agora é uma opção

 

No novo modelo, os pais poderão optar por registrar a criança no município em que ocorreu o nascimento ou no local de residência da família como sendo a cidade natural. Anteriormente, a certidão continha apenas a data e local onde ocorreu o parto do bebê. Com isso, muitas crianças nascidas em municípios sem maternidade eram registradas com a “naturalidade” diferente de suas residências.

 

Doador de sêmem e barriga de aluguel

 

O Provimento n° 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê, ainda, para emissão de certidões de nascimento para filhos gerados por técnica de reprodução assistida, que o oficial de registro civil não poderá exigir a identificação do doador de material genético como condição para a lavratura do registro de nascimento da criança.

 

Na hipótese da gestação por substituição – a chamada “barriga de aluguel” –, não constará no registro o nome da parturiente, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.

 

Além de autorizar o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

 

 

Fonte: A Crítica