Um projeto de lei prestes a ser sancionado pelo presidente da República pode tirar do Poder Judiciário o controle sobre os cartórios extrajudiciais – os de registros civis de pessoas físicas e jurídicas, de imóveis, notas e protestos. A proposta, aprovada pelo Congresso Nacional neste mês, prevê que concursos e nomeações de titulares de cartórios sejam feitos pelo Poder Executivo dos Estados e que a criação e extinção de serventias dependem da edição de leis específicas. A questão preocupou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que encaminhou ao Ministério da Justiça uma nota técnica se opondo à sanção da proposta, considerada inconstitucional. É a primeira vez, desde sua criação, em 2005, que o CNJ contesta um projeto de lei.
De acordo com Murilo Kieling, juiz auxiliar da Corregedoria Nacional da Justiça do CNJ, embora a proposta não altere o destino das verbas repassadas pelos cartórios – que continuam com o Judiciário -, a fiscalização da atividade pelos magistrados seria prejudicada. “A simples desativação de uma serventia com fraco movimento teria que ser feita por um projeto de lei, que esperaria toda a tramitação no Legislativo”, afirma.
Este foi um dos argumentos usados pelo CNJ na nota técnica enviada ao Planalto. No documento, o órgão aponta como contrária ao interesse público a dificuldade de manobra que a nova lei criaria à Justiça. O conselho também alertou no documento que o projeto é inconstitucional, já que uma lei federal não poderia alterar as regras de delegação dos serviços notariais, de competência dos Estados.
A possível mudança seria inoportuna ao CNJ, já que o órgão está prestes a reorganizar a atividade dos cartórios extrajudiciais. A corregedoria apura os últimos dados do primeiro levantamento sobre o funcionamento dos cartórios, feito desde setembro do ano passado. A intenção é remanejar as serventias, seja devido ao baixo número de registros, seja pela demanda de cada comarca por determinado tipo de atendimento. No entanto, caso o projeto de lei seja sancionado, estas definições só poderão ser feitas por lei.
Para o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator do projeto no Senado Federal, a proposta corrige um erro que vem desde 1988. Segundo ele, embora a Constituição Federal tenha instituído o concurso para o ingresso de titulares de tabelionatos, não mencionou quem definiria as regras. “Hoje, o Poder Judiciário faz os concursos, nomeia titulares e fiscaliza a atividade, quando o correto seria que cada poder tivesse sua atribuição”, diz.
Os magistrados, porém, aguardam o veto presidencial. Para o juiz João Ricardo dos Santos Costa, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a realização de concursos e nomeações pelo Poder Executivo pode colocar em risco a isenção na seleção dos titulares. “O Executivo é mais sensível a pretensões políticas e este é um setor de grande interesse econômico”, afirma. Conforme o levantamento feito pelo CNJ, os 13.416 cartórios do país faturaram, em 2006, R$ 3,89 bilhões. Segundo o juiz Henrique Nelson Calandra, presidente da Associação Paulista de Magistrados, desvincular a atividade do Judiciário também pode reduzir a qualidade técnica dos serviços. “As práticas notariais se desenvolvem a partir dos conhecimentos acumulados nos litígios judiciais. Afastar a atividade da Justiça pode interromper esse canal”, afirma.
Fonte: Jornal Valor Econômico