Em meio à pandemia, cresce a busca por transferência de bens; especialista comenta

A pandemia do novo coronavírus aumentou a busca por variadas formas de transferência de bens, tais como testamentos, inventários, partilhas e doações. O temor causado pela proliferação da COVID-19 em todo o mundo levou a uma preocupação relacionada à morte e ao planejamento familiar, questão habitualmente protelada pelos brasileiros.

Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil seção Minas Gerais – CNB/MG, junto à Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, divulgados pelo jornal Estado de Minas, só entre os mineiros foram mais de 4,6 mil atos de transferência durante a pandemia. Ainda de acordo com a reportagem, as lavraturas estão sendo feitas, principalmente, por pessoas que integram o grupo de risco, além de profissionais da saúde.

Planejamento sucessório

Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado e professor Rolf Madaleno aponta que os dados correspondem a uma situação excepcional e não tratam, propriamente, de um aumento na busca por planejamento sucessório. “O planejamento sucessório é algo feito para o futuro, para o longo prazo, com uma série de intenções que visam não só assegurar o destino dos bens. É uma espécie de direcionamento patrimonial”, pontua o jurista.

O que se tem notado, segundo ele, é que situações pendentes, por vezes, têm sua consolidação adiada por razões financeiras e pela resistência da maioria em pensar na própria morte. “No Brasil, a regularização dos imóveis, por exemplo, fica sempre pendente diante dos altos custos que têm os impostos e a tributação em cima da transferência e do registro dos bens. Isso custa sempre muito caro e as pessoas vão deixando para depois”, avalia.

“O que acontece agora é que o medo e a possibilidade da morte fazem com que as pessoas busquem a regularização de situações que estavam pendentes, geralmente por questões econômicas, mas que agora não há mais como aguardar”, observa Rolf.

Ele atenta que o mesmo tem acontecido com outras demandas, como os contratos de união estável. “Todos têm se sentido potenciais vítimas do coronavírus e, em função disso, tentam regularizar suas situações inclusive com os altos custos”, cita o professor.

Doações

O jurista afirma que as pessoas recorrem às doações de bens por diversos motivos. “Às vezes, as doações visam atender os interesses de alguns filhos – ou porque já moram no imóvel, ou porque (os bens) já eram destinados a eles, ou ainda porque os donos atingiram certa idade e são mais vulneráveis”, comenta Rolf Madaleno.

“Em muitas dessas situações – não todas, obviamente –, é uma antecipação da herança”, define o especialista. Trata-se, segundo ele, de uma alternativa ao inventário. “Quando querem evitar o inventário, fazem as doações já preservando o usufruto, de sorte que a partilha já é mais ou menos feita em vida. É o mais adequado, e o custo e o tributo têm basicamente o mesmo percentual”, explica.

Videoconferências

Diante das recomendações de isolamento social, vários estados brasileiros já oferecem serviços notariais on-line, por videoconferência, a fim de atender a grande demanda. Para Rolf Madaleno, foi uma saída inteligente para evitar a circulação de pessoas e as aglomerações nos cartórios. Futuramente, na opinião do jurista, deveria ser assumida em maior escala.

“Abriu-se uma porta para um terreno que era muito fechado. Na vida cartorária, dados os extremos das cautelas, é muito difícil de se encontrar alguma mudança ou algum avanço. Tudo é de uma formalidade muito antiga, que há muito tempo pendia de uma alteração, de uma modernização”, opina Rolf.

Para ele, a realização de procedimentos pela internet, adotada por conta da pandemia, pode ser uma medida que chegou para ficar. “É uma das soluções que certamente encontrarão campo bem mais profícuo depois que passarmos por essa pandemia. Foi um avanço que, talvez, nos conduza também para um testamento por via eletrônica”, prevê o jurista.

Fraudes

Rolf admite que tais procedimentos, contudo, estão mais suscetíveis às fraudes. Mas a má-fé não está restrita a este momento. “A fraude é um mal que sempre existiu, em todos os tempos e gerações. É endêmico, sempre tem alguém querendo tirar vantagem em todos os segmentos”, afirma.

Exemplo disso, de acordo com ele, são os crimes denunciados recentemente, em um contexto de crise e comoção social, como o superfaturamento de equipamentos hospitalares. “Lamentavelmente, a fraude está sempre presente e não é fácil de combater. Evidentemente, os cartórios e os atos notariais são utilizados até para tentar minimizar essas situações”, comenta o advogado.

Ainda assim, não há como ficar isento ou imune a elas. “Os cuidados devem ser redobrados nessas situações de videoconferência, em que a identificação é feita à distância. Não vai faltar quem tente fraudar até a vontade das pessoas, iludindo os menos avisados e mais vulneráveis, ou os mais isolados, fragilizados pelo momento”, alerta Rolf.

 

Fonte: Ibdfam