Jurisprudência mineira – Apelação cível – Direito de Família – Reconhecimento e dissolução de união estável – Acordo extrajudicial de dissolução

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – REQUISITOS – DEMONSTRAÇÃO – ACORDO EXTRAJUDICIAL DE DISSOLUÇÃO – VALIDADE – VÍCIO DE CONSENTIMENTO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO – CONTESTAÇÃO EXTEMPORÂNEA – REVELIA DECRETADA – PRESUNÇÃO RELATIVA DA VERACIDADE DOS FATOS – RECURSO NÃO PROVIDO

Apelação Cível nº 1.0518.15.014542-4/001 – Comarca de Poços de Caldas – Apelante: Josiane Rita Ridolfi – Apelado: Denilson Franco dos Reis – Relator: Des. Audebert Delage

ACÓRDÃO

Vistos, etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 26 de maio de 2020. – Audebert Delage – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. AUDEBERT DELAGE – Trata-se de apelação interposta por Josiane Rita Ridolfi contra a sentença de f. 118/123, que, nos autos da ação declaratória de reconhecimento e dissolução c/c declaração de inexistência e nulidade de negócio jurídico, julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a existência e a dissolução da união estável havida entre as partes, no período compreendido entre agosto de 2008 a fevereiro de 2015, rejeitou os pedidos de decretação de inexistência e invalidade do negócio jurídico, por ausência de provas, indeferindo, ainda, o pedido de partilha de bens e de dívidas do casal. Nas razões recursais de f. 125/132, a apelante sustenta que conviveu com o apelado em regime de união estável no período entre agosto de 2008 a fevereiro de 2015, tendo a relação sido encerrada extrajudicialmente através de instrumento particular de dissolução de união estável. Alega que deixou o lar conjugal por temer as ameaças do apelado, tendo sido coagida a assinar o referido instrumento. Aduz que aludido documento é de ofensiva desigualdade entre as partes, pois determina que a autora, além de abrir mão de seu direito à menção, assuma as dívidas da aquisição de materiais de construção da residência adquirida pelo casal, que atualmente é domicílio apenas do apelado. Requer a reforma da sentença, tendo em vista que o acordo anuído pela recorrente está eivado de vícios e tendo em vista, ainda, a coação e a ameaça sofridas, devendo ser declarada a inexistência e a invalidade do negócio jurídico, por não respeitar a forma prescrita em lei. Pede-se seja deferida a justiça gratuita, bem como a citação do requerido para contestar a ação, sob pena de revelia. Pugna pela partilha dos bens, de maneira equânime, apurando a responsabilidade do apelado na dívida consubstanciada em nome da apelante.

Contrarrazões às f. 136/144.

A Procuradoria-Geral de Justiça entendeu desnecessária sua intervenção no feito.

Atendidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Extrai-se dos autos que se trata de ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável c/c declaração de inexistência e nulidade de negócio jurídico, promovida por Josiane Rita Ridolfi contra Denilson Franco dos Reis, ao argumento de que manteve união estável com o réu no período compreendido entre agosto de 2008 a fevereiro de 2015, entretanto, sofreu coação e ameaça pelo requerido para que assinasse o instrumento de dissolução de união estável, havendo vício de consentimento em relação à partilha do bem imóvel, o que torna o contrato nulo.

Pois bem.

Saliento, de início, que a gratuidade de justiça já foi deferida à recorrente à f. 30.

Contrato de dissolução de união estável.

Primeiramente, saliento que o contrato de união estável precisa apenas ser escrito e observar os requisitos de validade do negócio jurídico, descritos no art. 104 do Código Civil de 2002, in verbis:

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei”.

Sabe-se ainda que os arts. 166 e 171 do mesmo diploma legal dispõem acerca da invalidade do negócio jurídico:

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

[…]

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

[…]

II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“Processual civil. Civil. Contrato de convivência particular. Regulação das relações patrimoniais de forma similar à comunhão universal de bens. Possibilidade. – O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais, fixou uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio. – A liberdade outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas nos requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do Código Civil. – Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. – Assim, o pacto de convivência formulado em particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, é válido, desde que escrito. […]” (REsp 1.459.597/SC, Rel.ª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 1º/12/2016, DJe de 15/12/2016).

In casu, o negócio jurídico firmado entre as partes apresenta-se legal e regular, uma vez que reúne pessoas capazes, objeto lícito, possível e determinado, bem como forma prescrita e não defesa em lei, nos termos do art. 104 do Código Civil.

Em relação à alegação da apelante no sentido de que o instrumento de dissolução de união estável de f. 15 está eivado de vício de consentimento, já que foi coagida pelo seu ex-companheiro a assiná-lo, não merece prosperar.

Prescreve o art. 151 do Código Civil que:

“Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”.

Para que o negócio jurídico seja maculado pela coação, é necessário que haja prova inequívoca de que, de fato, ocorreu e de tal monta, que incutiu ao paciente fundado receio de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens.

Na espécie, tal situação não se observa, uma vez que a recorrente não demostrou qualquer ato por parte do apelado ou de pessoa ligada a ele que tenha forçado a apelante à assinatura do contrato de dissolução de união estável.

A testemunha Natália Colodino Nery declarou que

“sobre o documento de f. 15, sabe do mesmo porque a autora lhe contou que o assinou pressionada pelo requerido em  decorrência das brigas e também por o requerido ser ‘uma pessoa muito possessiva’. […] que nunca presenciou conduta de agressividade do requerido em face da autora” (f. 94/94-v.).

Por sua vez, a apelante em seu depoimento pessoal de f. 96 afirma que “não chegou a fazer nenhum boletim de ocorrência, embora tenha sentido ameaçada porque, enquanto convivia maritalmente com o requerido, este não era violento e que, no dia quando assinou o documento, não fez nenhuma ocorrência porque, assim que ‘registrou’ o documento de f. 15, o requerido e a irmã ‘me deixaram em paz’”.

Nesse diapasão, considerando que não há qualquer evidência de que a manifestação de vontade da apelante foi maculada no momento da celebração do contrato particular de dissolução de união estável e não se desincumbindo a autora do ônus que lhe atribui o art. 373, I, do CPC/15, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedentes os pedidos de decretação de inexistência e invalidade do negócio jurídico.

Logo, o contrato de f. 15 é plenamente válido e apto a produzir efeitos, não havendo que se falar em nulidade.

Partilha de bens e dívidas.

No que toca à partilha de bens e dívidas do casal, razão não assiste à apelante, tendo em vista o reconhecimento da validade do contrato de f. 15 firmado entre as partes.

Da revelia.

Registro que a apresentação intempestiva de contestação, com a consequente configuração da revelia, não implica o acolhimento automático dos pedidos ou mesmo resulta em aceitação como verdade absoluta dos fatos narrados na inicial.

A presunção de veracidade dos fatos é relativa, e não absoluta, tendo o Juiz o poder-dever de não acolher as alegações iniciais, se outras conclusões decorrem das provas juntadas ao processo, conforme lhe faculta a lei.

Não há olvidar-se que o parágrafo único do art. 322 do Código de Processo Civil permite a intervenção do réu em qualquer fase do processo, recebendo-o no estado em que se encontra, peticionando e juntando provas que entender pertinentes.

Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa trazem à colação o seguinte julgado:

“A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz (STJ – REsp 47.107-MT, Rel. Min. Cesar Rocha, 4ª Turma, j. em 19/6/97, deram provimento parcial, v.u., DJU de 8/9/97)” (GOUVÊA, José Roberto F. & NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 36. ed. São Paulo: Editora Saraiva, p.42.504).

Conforme salientou a Sentenciante, “[…] entendo que é o caso de relativização dos efeitos da revelia do réu, visto que não demonstrada pela requerente a ocorrência de coação, e, portanto, a conclusão a que este juízo chega pelo conjunto probatório é a de ausência o vício capaz de autorizar a declaração de inexistência do contrato firmado entre as partes.”

Da união estável.

Sobre o tema, o Código Civil, em seu art. 1.723, dispõe que:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Nesse sentido são os arts. 226, § 3º, da CF/88 e 1º da Lei nº 9.278/96, que reconhecem a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, desde que a convivência seja duradoura, pública, contínua e com o objetivo de constituição de família.

No caso, verifico que não há qualquer impugnação recursal quanto à união estável declarada pela Sentenciante, que, segundo apurado, vigorou no período compreendido entre agosto de 2008 e fevereiro de 2015.

Ante tais considerações, nego provimento ao recurso.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Edilson Olímpio Fernandes e Sandra Fonseca.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG