TJRS anula acordo em que autora desistiu de ação de paternidade por dinheiro

Assinar compromisso de desistência de ação investigatória de paternidade, com promessa de receber recompensa financeira, afronta direitos de personalidade, assim como impede a busca pela identidade genética e ancestralidade.

Com esse fundamento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desconstituiu sentença que homologou um acordo de desistência de investigação de paternidade. Para os desembargadores, a autora, pessoa pobre, tomou a decisão pela necessidade do ganho financeiro.

Segundo os autos, a autora foi entregue, logo após o nascimento, a outra família, que a registrou como filha. Após a morte dos pais adotivos, a mulher, já adulta, ajuizou ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro civil, em face do casal réu. Estes, segundo ela, seriam seus pais biológicos.

Apesar de os réus terem concordado em fazer o teste de DNA, tal exame não foi feito ao longo dos vários anos em que se arrastou a instrução processual. As tentativas para marcar a perícia foram infrutíferas, e a suposta mãe acabou morrendo no transcurso do processo.

Após esse fato, a autora e o suposto pai apresentaram petição de acordo, requerendo a extinção do processo. No documento, a autora se compromete a desistir da ação investigatória em troca do pagamento de R$ 10 mil, a título de auxílio financeiro, a ser pago no ato da homologação do acordo. A autora assumiu ainda o compromisso de não mais ajuizar ação contra o requerido ou seus sucessores.

Em parecer, o Ministério Público estadual se manifestou contra a homologação do acordo judicial, em vista da ‘‘evidente monetarização’’ de direito personalíssimo e indisponível. O MP viu ‘‘clara utilização do Poder Judiciário e do direito constitucional de ação para obter ganhos financeiros’’. Ou seja, o réu se aproveitou da hipossuficiência de sua suposta filha para compeli-la a abdicar do direito ao reconhecimento de sua origem genética.

Mesmo após a manifestação contrária, o juízo de origem homologou o acordo de desistência.

Apelação provida

O relator da apelação no TJ-RS, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, deu provimento ao pedido do MP, desconstituindo a sentença. A seu ver, o acordo ultrapassou os contornos da mera desistência da ação. Na verdade, houve clara renúncia ao direito de investigar e conhecer sua ascendência genética — consequência do direito de personalidade.

‘‘Nesse viés, tratando-se de tema que diz com atributo de personalidade, na esteira do art. 104, II, do CPC, mostra-se desacertada a homologação do acordo, ante a sua invalidez, já que não se pode dispor de direito que é indisponível’’, afirmou.

Na fundamentação do voto, Pastl citou o parecer do representante do MP no colegiado, para quem a narrativa do processo revela que o motivo da desistência da ação reveste-se de caráter financeiro.

‘‘Muito embora a titular desse direito esteja concordando com a desistência da investigatória, e sem ignorar que é faculdade dela dispor sobre direito de ação, ainda assim, este órgão — a quem incumbe a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, conforme o art. 176 do CPC — não pode consentir com a homologação de tal avença, pois patente a inversão de valores e de direitos’’, criticou.

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Apelação Cível 70080053945

 

Fonte: Conjur